sexta-feira, junho 09, 2006

Marceneiro

Enquanto polia a silenciosa e móvel cristaleira
Gastando a lixa gastando as mãos a madeira
Gastando e lixando o tempo
O tempo que engrossa a pele e empoeira.
A alma pulsa como aflita criança na espera
De lá dos olhos a hora de ver pronta e lustrada
E já seca do suor a cristaleira
E ainda fresca poeira sopra-la última

E o quarto móvel das crianças
Polindo-as moldando-lhes as almas
De jovens que serão logo adiante,
Pensa o marceneiro que cola será capaz
De juntar essas infâncias com a juventude volátil?
Enquanto dormir-em adultos surgirão articulados móveis
Polidas almas bólidos de sonhos à vida lançados

Tarefa pronta missão cumprida janela aberta
Eu saio - marejados olhos de marceneiro empoeirado
Banhar-me vou em águas do mar-celeiro das palavras náufragas
E polir tábuas brutas palavras: cort-alas mold-alas ared-ond-alas
Quais finos móveis de ante-sala envolv-elas em talas e dá-lias as flores
Lançá-las poeira de cores, estonteá-las revoá-las esvoaçá-las
Escoá-las ao soprá-las em verbais pensamentos

Ouvidos todos!Como receber cada criança que nasce
De móveis berços abertos escutá-las
Cimbalentes notas o vento...
Nota-se que vento sente
Ao bater móvel nas quinas rente e entornar em hélice:
Em redondilhas levanta-se em escamas plumejantes
Em escanteio procuras furos passagens frestas
Tocas em cordas tênues varreduras...

Como o arqueiro ao fim da jornada
Depositá-las em alforjes ferramentas...
A caneta descansa debruçada
Espreguiçada na página aberta
Sobre a oculta tábua vesmadeira
Agora escrivaninha e seu leal escriba.
Tábua que como a antes muda cristaleira
Um dia criou alma

Luciano Fialkowski 20/09/2001

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá, Paulo, agora é tua pergunta que me surpreende, depois de encontrar meu poema por estas plagas virtuais portuguesas. Como autor do mesmo, escrevi num momento de passagem entre o fim da infância dos meus filhos, e a impossibilidade de continuar brincando com madeira, por falta de tempo. É o poema que abre meu livro "A Revolução Silenciosa", Ed. AGE, Porto Alegre, 2003.

11:36 da tarde  
Blogger Olhar Lordelo said...

Muito obrigado Luciano pelo poema que tão bem simboliza a nossa terra.

4:45 da tarde  
Blogger Bessa Almeida said...

É verdade esse poema que agora o li.Retrata muito bem a nossa terra de marceneiros.Penso que hoje já não tem muitos marceneiros? Mas que as raízes ficaram.
Daqui falo poderei conhecer o autor deste blog, já se passaram tantos anos que parti de Lordelo, de vêz em quando vou de passagem que não ne dá para nada.
Com isto meus parabéns. Bem haja que esta terra bem merece.
Antonio Bessa Almeida
Barreiro

2:23 da tarde  

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